domingo, 24 de abril de 2011

Na ausência de um dicionário de sonhos completo


Durante esses meses que temos estado separados, eu não ousei te falar de amor. Declarei amor no final de cada conversa cotidiana pelo telefone, pelo MSN, recebi amor declarado em troca, mas não falei dele. Cheguei a comentar também, trinta ou quarenta vezes, do quanto eu estava com saudades. Comentei sobre a saudade, mas não falei dela. E não foi por pouco caso ou falta de tempo que amor e saudades não foram falados; foi porque era tudo grande demais pra sair da minha boca tão-pititiquinha, como diria você.

Em um contexto que já se perdeu nessa minha memória cheia de buracos, sonhei que eu passava o batom mais vermelho do universo, exaustivamente. E passar batom era tarefa tão cansativa porque, uma vez na minha boca, a tinta desparecia no minuto seguinte e boca sem tinta parecia pecado, no meu sonho maluco. Foi a única vez que eu presenciei uma falta que, de tão intensa, se tornou presente: a falta harmônica simples do batom vermelho.

Os dicionários de sonho disponíveis online não trazem o verbete ‘sonhei que meu batom não era de longa duração’, o que me fez refletir com severidade, sobre o sonho que tive. Mas não refleti porque quis, nem planejei reflexão. Fui ruminando aquele sonho entre um passo e outro e naquelas lacunas invisíveis que entremeiam o fim de um assunto, o começo de outro.

Seria mentira te dizer que concluí alguma coisa sobre o sonho que tive. Mas agora mudo de assunto pra dizer que sempre que eu penso em sonho é você que me vem à cabeça. Desde que você surgiu na minha vida, um a um, meus sonhos têm desaparecido, porque você torna cada um deles realidade.

Hoje, quanto eu me sentei diante dessa tela, a fim de cortar a fita de (re)inauguração desse folhetim barato, da edição passada, eu só queria escrever um eu-não-sabia-o-quê a um certo eu-sabia-quem: você. E só agora, nas linhas finais dessa postagem é que me parece ocorrer aonde foi parar toda aquela tinta vermelha, sem a qual meus lábios passaram, enquanto eu dormia.

Meu subconsciente me entregou o milagre, mas não revelou o santo. Era um milagre o sumiço inexplicável do meu batom e foi quase santa a maneira que meu eu-adormecido encontrou para não ficar sem você. É isso mesmo, minhas saudades te transformaram em um soturno ladrão de beijos que veio falar de amor, enquanto eu dormia.

A minha vontade agora era transcrever esse tanto de palavra para uma folha de papel bonita, colocar numa garrafa, soltar em um mar que eventualmente existisse aqui em Goiás e torcer para ela chegar até você, em uma Itapema chuvosa.

Goiás, fevereiro de 2011.