terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Engarrafando espaço e tempo

Daí, quando achei que seria capaz de morrer de saudades, veio outro dia em que eu senti mais saudade ainda. E foi assim, sob essa gradação cruel, que eu acabei crescendo. Mas houve um tempo em que eu reuni toda a minha sabedoria pra criar antídoto e fazer o tempo voltar.

(...)

E olha que eu já quis muita coisa, nessa minha vida. Mas, naquele minuto, enquanto ele me abraçava, eu só queria que ele afrouxasse os braços, dissesse algo naquele francês sujo e se virasse. Sem me olhar mais uma vez, de preferência. Daí, eu fiz a despedida mais insincera da minha vida, dei um beijo fraco, um sorriso amarelo e dei as costas pras costas dele.

No passo seguinte, a sinceridade veio comigo. E eu chorei, chorei, até embaçar os olhos, até enxergar mini-arco-íris em volta de objetos luminosos, até acelerar tanto, para que eu me tornasse só um borrão molhado, aos que me vissem passar.

Só sei que agora era comigo. Descobri, desde a morte do Bacana, que havia coisas nas quais os meus pais não davam jeito. Pensei em ligar e implorar que ele voltasse, pensei em ir atrás do ônibus de patinete, me mudar pro estrangeiro, ir nadando, fazer atalho nos Grandes Lagos. Mas a idéia final foi me sentar na escada e escrever um rascunho feio, com nomes de músicas.

Gravei todas elas em um CD triunfal. E não importava onde aquele moço estivesse, ele estava do meu lado, conclui quando ouvi a primeira faixa. E da segunda faixa, ele tinha me contado a história (e contou de novo, quando eu fechei os olhos) e me apelidado. A terceira faixa ele odiava. E como eu sorri quando eu fechei os olhos e o vi odiando, pedindo pra trocar. Da quarta faixa, ele fazia coreografia idiota com as mãos e ria da pseudo-sensualidade-mais-sensual-da-galáxia. As faixas eram 25 e ele ficou comigo no quarto até o CD emudecer. E as 25 viraram 50 e o cinqüenta deu continuidade à maior progressão que alguém podia criar.

Por sete dias, ele ficou comigo e ficou por inteiro. No dia seguinte, trouxe uma amiga em casa, a quem mostrei a minha façanha. E lembrei, outra vez, que ele odiava a terceira faixa. E ouvi a terceira faixa e lembrei de eu contando à Lud do quanto ele odiava a terceira faixa. E a terceira faixa, com o passar do tempo, me fez lembrar de coisas que eu fazia, enquanto a ouvia. E eu fui perdendo aquele menino pra sempre e perdi sabendo que estava perdendo. E perdi porque deixei muitas lembranças soterrarem o que era ele. E foi assim que eu o libertei daquela prisão arrogante que eram as 25 faixas e tudo o que elas me traziam.

Três anos depois, em um banho despretensioso, eu me deparei com uma fragrância de pitangas. E qual não foi minha surpresa, quando descobri aquela minha primeira paixão ali, engarrafada! Fechei os olhos – só por essa vez, prometi, porque já era experiente demais com a minha insaciabilidade - e vivi noite, textura, temperatura, risadas altas. Depois disso, mantive a fragrância de pitangas engarrafada pra sempre, como quem engarrafa elixir da vida.

(...)

Por isso, hoje, quatro anos depois da oficina de engarrafar memórias, peço que não me ofereçam morangos, nem chocolate amargo, pelos próximos três meses. Que é bem capaz de eu morrer de saudades. Que é bem capaz de eu querer matar as saudades daquele jeito irreal, leviano e irreversível dos que deram pra amar demais.

5 comentários:

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  2. Pena que está além da minha assimilação plena. Gostei demais (demais mesmo) foi do sexto parágrafo e de morar no estrangeiro.

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  3. Oi Amélie,
    Muito bonito o seu blog,
    gostei bastante. Em dia
    de visita um presente:

    Se as coisas são inatingíveis... ora!
    Não é motivo para não querê-las...
    Que tristes os caminhos, se não fora
    A presença distante das estrelas!
    Mário Quintana

    abraço das letras
    Marcos Miorinni

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  4. Olha eu aqui, mais de 47 dias atrasado, só porque você não quis mais saber de folhetim.

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  5. Sandrinha, eu acabei de ler em voz alta o seu texto para mim e para minha irmã. Ela tá aqui chorando, apaixonada! Achou lindo de doer o coração...
    Lindo como você, porque não podia ser diferente. Te amo!

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